domingo, 29 de dezembro de 2019

Piedade

Piedade São Francisco,
Piedade Santo Antônio,
Pelo não-dom metafísico
E pelo não-conhecimento
Do livro do Deuteronômio.

Fabiano Favretto

Absorto

Queria os lábios,
Queria o corpo.
Queria a sobriedade
Queria estar absorto.

Fabiano Favretto

Alguém ninguém

Me trate como alguém
E se decepcione.
Me ache um ninguém
E se emocione.

Fabiano Favretto

Ópio

Tenho fome, tenho nojo;
Tenho desdém, tenho gozo;
Tenho desordem, tenho ciência;
Tenho certeza, tenho incompetência.

Tenho revolução, tenho calmaria.
Tenho versos, tenho dislexia.
Tenho ordem, tenho ódio.
Tenho controle, tenho ópio.

Fabiano Favretto

Enfrentaria

Qual líquido âmbar
Que assim persiste a existência,
Não de poetas, em essência,
Mas que a vontade faz acabar?

Vontade do que seria,
Se a cruz é sempre o destino?
Em meus versos, me colidindo,
Qualquer pena enfrentaria.

Fabiano Favretto

Quinta

Hoje é quinta-feira,
Mas como me parece sábado,
Pode ser um prelúdio
De um último dia,
De uma última vontade.

Fabiano Favretto

Aberta a noite

Está aberta a noite.
Sairão gárgulas
Que despirão suas mágoas
À luz de tungstênio.

Fabiano Favretto

Sole mio

Você é como o Sol:
Se põe sem
Se importar comigo.

Fabiano Favretto

Espinho

Tenho um espinho em meu dedo,
O que me impede de segurar
A caneta de maneira adequada.
É culpa desse espinho
A minha péssima caligrafia
E meus versos
De espezinhamento.

Fabiano Favretto

Boa ordem

Coloco agora
Os meus pensamentos
Em boa ordem.
As rimas não.

Fabiano Favretto

Degraus

Ter um amor qualquer
É pior que ter amor nenhum,
Afinal, um amor comum
Não é capaz de enlouquecer.

Amores, é Amor somente,
Mas diferem-se entre si, veja:
O meu amor real pela cerveja
É de fato menos malevolente.

O amor geralmente acaba
Quando o copo esvazia
Ou quando é percebida a cilada.

Quem sabe eu não diria
Que é tudo uma escada:
Com muitos degraus, porém, vazia.

Fabiano Favretto

Pedreiro

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| Palavra  | por  | palavra, |
--------------------------------
|  Tijolo |   por    | tijolo,   |
--------------------------------
|  O  |    pedreiro   | trava  |
--------------------------------
|   Sua    |  obra     |  em    |
--------------------------------
|    Poesia   |    concreta    |
--------------------------------

Fabiano Favretto

Queria

Por que fui entrar
Neste mundo de poesia?
Foi mais além do que eu queria,
Foi preciso mais que precisar.

Fabiano Favretto

Me faltaria

Me faltaria tinta,
Me faltariam as mãos
Se não faltasse ainda
A inspiração.

Fabiano Favretto

Dizer que não

Folha em branco,
Caneta vermelha:
Não há coisa que se assemelha
Ao meu choro e pranto.

E a rima que me move,
É a sina e meu chão.
Poderiam me dizer que não,
Mas a poesia me comove.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Vontade

Para minha amiga Aline Pinup


Era tanta vontade,
Era tanto tesão,
Que parecia um furacão:
Muito mais que tempestade.

O Gin derrubou em seus seios,
E eu queria tanto neles beber!
Embora eu soubesse o que fazer,
Estava procurando os meios.

E quando ela se esfregava,
Meu coração tinha arritmia.
Queria aquela mulher naquele dia
Para saciar a sede que me afogava.

E ela muito me provocava,
E ah, ela sabia como fazer.
O que estava para acontecer
Tenho certeza que ela suspeitava.

Não estava suportando esperar
Para ter aquele corpo junto de mim,
Pois ela exalava sensualidade, enfim
Eu desejava na cama com ela estar.

Entre as quatro paredes,
Ela deixou que eu agisse:
Como um caçador nada disse,
Não acreditava ser realidade.

E que relevos fantásticos,
E que curvas! Nelas me perdi.
Tudo aquilo que eu vi
Me traziam desejos atávicos.

Arranquei tudo o que bloqueava passagem,
E sua forma pura então observei.
Esperando, na hora certa ataquei
E a possuí, com pensamentos de sacanagem.

Foi uma briga de fato consentida,
Onde corpos brigavam contra a distância.
Na boca dela não encontrava relutância:
No seu corpo fazia do branco cor colorida.

Foram tantas idas e vindas
Numa união de dois corpos incandescentes,
Sabendo que não seria diferente
Traçamos estradas de forma lenta, não corrida.

Quando chegávamos ao êxtase,
Somente sobrava a nossa respiração.
Pulmões ofegantes, de antemão
Mostravam definitivo estado de catarse.

Quando faltaram as energias,
Nem o vinho ou lúpulo adiantaram:
Apenas necessidades ficaram
Para recarregar nossas baterias.

Noite a dentro avançamos
Nesta disputa louca de satisfação.
Embora seja vazio o meu coração,
Naquela noite, estou certo que amamos.
Fabiano Favretto

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O dia de um aniversário

O dia de um aniversário
Está além da própria escolha:
Nascemos sem consciência,
Sem poder pensar o contrário.

Nascemos por poder nascer,
E o tempo é, sobre tudo, regressivo.
Não há maneira de ser objetivo
Por chegar mais próximo de morrer.

São anos que me foram tirados,
E da métrica dos dias tenho conhecimento.
Comemorar o que me é arbitrário

É como comemorar um jogo comprado:
Não há surpresa, o resultado está pronto.
Como poderia então eu estar feliz, de bom grado?

Fabiano Favretto

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Ao Miguel, meu afilhado

Bem vindo ao mundo!
Se depender de mim,
Te darei tudo!

Fabiano Favretto

Aparecerá

Não fumarei mais hoje,
Mas a nicotina brigará
Por eu manter o cigarro longe;
A abstinência aparecerá.

Fabiano Favretto

Vêm e vão

Pessoas vêm e vão,
Mas como saber se isso
Não vêm em vão?

Fabiano Favretto

Leigos

Todos sabem
Que os melhores Opalas
Tem 6 cilindros em linha.
Porém, os Mavericks
Não possuem dos leigos
O mesmo entendimento.

Fabiano Favretto

Manhattan

A apresentação da banda
Tem um saxofonista.
Esse pessoal acha que está onde?
Em Manhattan?

Fabiano Favretto

Isolação

Quanto mais gente
No mesmo lugar,
Mais tenho certeza:
Quero me isolar.

Fabiano Favretto

Blues

Hoje escrevo 
De azul,
Pois me sinto triste
Como o blues.

Fabiano Favretto

Tijolo

No buraco do tijolo
Uma teia de aranha.
Ocupada?
Talvez sim.
Desocupada?
Talvez sim.
Em todo caso,
A teia em meu peito
É resultado da desocupação:
Neste muro,
Nem tem mais coração.

Fabiano Favretto

Sobre o que dizem quando se está mal

"Mas você escreve poesia"
"Mas você tem um dom e tanto"
"Mas você é poeta"
"Mas você escreve bem"
"Mas você consegue se expressar"

Fabiano Favretto

Hemorragia

Escrevo agora de vermelho
Porque tenho no papel mais sangue
Do que poesia nas veias.
Essa corrente sanguínea
Diretamente ao papel
Obstina-me a ter
Uma enorme hemorragia.

Fabiano Favretto

Alento

Tenho pouco tempo.
Até agora não escrevi
Poesia ao meu alento.

Fabiano Favretto

Ir embora queira ficar

Tenho pouco mais
De uma hora.
Passa rápido demais
O tempo
Quando é preciso
Ir embora.

Fabiano Favretto

Fome

Fome de vida
Ou seria
Fome de ida?

Fabiano Favretto

Round #2

O perfume é de conhaque:
O sinto pela segunda vez.

Fabiano Favretto

Momento

Tenho menos de duas horas
Para escrever, beber e viver.
Me sinto como as velhas senhoras
Esperando o momento de morrer.

Fabiano Favretto

Meu texto

O conhaque é meu texto.
Não preciso de nada
Ou de qualquer pretexto.

Fabiano Favretto

Chateia

Folha em branco:
No desespero
Me vem o pranto.

Folha um pouco escrita.
Reconsidero:
Isso me excita.

Folha meio escrita:
Faltou espaço,
Faltará tinta.

Folha quase cheia:
Me faltam versos,
O que me chateia.

Fabiano Favretto

Prático

Espero
E desespero.
Canso rápido
E descanso prático.

Fabiano Favretto

Pré-texto

O conhaque é pré-texto:
Não preciso de água
Para escrever meus textos.

Fabiano Favretto

Haikai #9

Noite vazia.
No caderno
O coração se alivia.

Fabiano Favretto

Haikai #8

Garrafas vazias na prateleira.
Nunca mais quem tomou
Sentiu sede.
Fabiano Favretto

Haikai #7

Velha máquina registradora.
Ouço sua campainha
Mesmo não funcionando.

Fabiano Favretto

Haikai #6

Mosquitos no fliperama.
Space Invaders
Na vida real

Fabiano Favretto

A necessidade

A necessidade
É algo que vem
Quando você
Não precisa de nada.

Fabiano Favretto

Pretexto

O conhaque é pretexto:
Não preciso de nada
Para escrever meus textos.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Antígeno anticorpo

Sou anticorpo
E você é meu antígeno.
Como chave-fechadura,
Fazemos um sistema-complemento,
Para podermos inflamar tudo ao redor.
Em uma cascata,
Desencadeamos ataques aos patógenos
Que nos fazem tanto mal.
Temos assim uma lise osmótica!
Seguimos pela via das lectinas,
Pela via clássica, alternativa
Pela extensa corrente sanguínea!

Fabiano Favretto

Piada inflamada

Porque o linfócito entrou na banda?
Para tocar fagócito!

Fabiano Favretto

Memória imunológica

Meu coração
Não tem memória imunológica,
É tão inespecífico
Que qualquer amor
Que o invade,
O domina.


Fabiano Favretto

Fagocitados

Ó célula apresentadora de antígenos,
Porque és capaz de expor fragmentos
Destes antígenos já fagocitados
Em sua superfície junto ao líquido sanguíneo?

Linfócitos reconhecedores de antígenos,
Sois controladores da resposta imune.
Por que então são enganados de forma impune
Por essas células mentirosas sem raciocínio?

Fabiano Favretto

Complexo de MHC

Histocompatibilizamos nossas membranas,
Mas disso não sofremos complexos,
Pois muito sei que juntos combinamos
E poderemos juntos fazer descendentes bacanas.

Fabiano Favretto

Apontamentos

Às 06:00 da manhã meu coração acorda;
Às 06:01 da manhã meu coração lembra-se de ti;
Às 06:02 da manhã meu coração entristece;
Às 06:03 da manhã meu coração chora;
Às 06:04 da manhã meu coração enxuga as lágrimas.
Às 06:05 da manhã meu coração já sofreu pelo dia todo.
Às 12:00 meu coração almoça;
Às 12:01 meu coração lembra-se de ti;
Às 12:02 meu coração entristece;
Às 12:03 meu coração chora;
Às 12:04 meu coração enxuga as lágrimas;
Às 12:05 meu coração já sofreu pela semana inteira.
Às 06:00 da tarde meu coração sai do trabalho;
Às 06:01 da tarde meu coração lembra-se de ti;
Às 06:02 da tarde meu coração entristece;
Às 06:03 da tarde meu coração chora;
Às 06:04 da tarde meu coração enxuga as lágrimas;
Às 06:05 da tarde meu coração já sofreu pelo mês de novembro.
Às 08:00 da noite meu coração toma conhaque;
Às 08:01 da noite meu coração lembra-se de ti;
Às 08:02 da noite meu coração entristece;
Às 08:03 da noite meu coração chora;
Às 08:04 da noite meu coração enxuga as lágrimas;
Às 08:05 da noite meu coração já sofreu pelo ano que acaba.
Às 00:00 meu coração deita na cama;
Às 00:01 meu coração lembra-se de ti;
Às 00:02 meu coração entristece;
Às 00:03 meu coração chora;
Às 00:04 meu coração enxuga as lágrimas;
Às 00:05 meu coração sonha em nunca mais acordar.
Às 06:00 da manhã meu coração acorda...

Fabiano Favretto

Quarta-feira

Você sabe o quanto queria
Estar junto de ti, isso é certo,
Mas o que fazer, se estar perto
É algo que me machucaria?

Nem todos os drinks e bebidas,
Nem todo álcool do mundo,
São capazes de te arrancar do fundo
De mim - não gosto de partidas.

Toca agora uma canção na vitrola,
Que me marca tristemente.
Não existe música que consola:

Me sinto cada vez mais deprimente.
E essa tristeza é que me isola
Da vontade de viver plenamente.

Fabiano Favretto

Motor

O coração é um motor
Que funciona eternamente
Sem se preocupar
Se a estrutura que o comporta
Tem freio, segurança ou direção.

Outro dia mesmo
Ele recebeu um amor
Como combustível
E acelerou demais.
Buum! 
Acidentes acontecem:
Quebrou minha cara
E a minha felicidade.

A moça passa bem.

Eu arquei com o preço:
Sem seguro
E sem recursos
Para conserto,
Estou guinchando
Esta estrutura
Até onde posso.

O valor do guincho
Me apavora,
E retificar esse motor
Vai me requerer
Muita cautela e paciência.
Espero que dê conserto.


Fabiano Favretto

Menos

Me sinto tão menos,
Me sinto tão louco.
Com tantos pormenos
Me sinto até pouco.

Me sinto nulo,
Me sinto nada.
E lá no fundo
É tudo charada.

Vida que me mata,
Morte que me ajuda,
Dor que aparata.

Sangue, corda,
Dúvida que desperta
E estou na borda.

Fabiano Favretto

Não há cura

Bombas de milhares de megatons
Caíram hoje sobre minha cabeça
Para que eu me abale e não esqueça
Que a realidade não tem propósitos bons.

Tristeza, revolta e ódio eclodiram
Em meu peito novamente despreparado.
Angústia, pensamentos - maldito fado!
As expectativas me consumiram.

Acabou-se a luz, e a última vela apagou.
No escuro por tato venho buscando
Encontrar um lampejo do que de mim restou.

Sou cacos, vidro e Éter, matéria escura;
Um buraco negro agora absorve o meu interior.
Não mais há conformação, lucidez e cura.

Fabiano Favretto

Desçamos a colina

Desçamos a colina e nos perpetuemos
Nas estagnarias fontes de ausência,
De modo que propositalmente, em instância,
Ao som da marcha lúgubre dancemos.

Avancemos entre trincheiras e escombros,
Nos lotes perenes de falsas misericórdias,
Escalando tetos, aves, medos e ledas glórias
Para carregarmos o nosso mundo nos ombros.

Corramos como lebres assustadas à noite,
Agitados como o trigo em tarde tempestuosa.
Voemos como um filhote à própria sorte,

Esperando que as presas da morte perigosa
Errem o caminho da fonte, amor forte
E mate o que realmente seja dor dolorosa.
Fabiano Favretto

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Viés

Caminho agora sozinho e preciso,
Em faixas de pedestres já gastas. 
Me aparecem memórias inexatas
De algo bom que houve comigo.

É dia e o céu está tão baixo e escuro.
As nuvens trouxeram a chuva necessária
Para levar essa minha dúvida ordinária:
Saber que não se está em cima do muro.

O céu tem a mesma cor do asfalto,
No entanto, não posso tocá-lo com os pés.
A rua nunca acaba de sobressalto

Nem o sentimento desse meu revés.
Nada é capaz de levar-me ao alto,
Ou de mudar esse meu trágico viés.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Roubou

Você roubou minha voz e minha paz,
Tudo o que eu tinha de mais meu.
E me entreguei e você não compreendeu
Que isso não tem volta jamais.

Você me matou, e até que estou relevando,
Por não levar em conta o que sinto.
Se eu disser que estou bem, eu minto,
Não me preocupo com a dor aumentando.

Vou andar por aí em qualquer canto,
Eu não sei um caminho certo a seguir.
Apenas eu irei andando, por enquanto,

Até meu coração poder suprimir
Esse amor que me arde tanto
Para que eu possa talvez sorrir.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Lua do caçador

Estou dirigindo veloz
Em direção à lua do caçador,
Com um ritmo ameaçador
Como se fosse um cão atroz.

Mas quando cheguei ao destino
Nada demais eu encontrei;
Em um copo de conhaque me joguei
Para compensar meu desatino.

Sozinho me encontrei
Em mais uma noite de domingo,
E juro, houve um tempo que vacilei

Em ir o dia digerindo.
Puxei o gatilho, eu sei
Mas a lua continua subindo.

Fabiano Favretto

domingo, 29 de setembro de 2019

Valores

Para fechar com chave de ouro:
O toureiro vale menos que o touro.

Fabiano Favretto

Vão

Neste domingo quente,
A música é inevitável,
A dor se torna aceitável
Enquanto me acho inconsequente.

Olho pela janela aflito:
Na rua ninguém entende
Que esta tarde já se rende!
Mais uma segunda vem, eu reflito.

E tão indiferentes quando passam,
As pessoas não enxergam as horas,
Horas que devagar me matam.

É o tempo uma velha senhora
A tecer histórias que hora ficam,
Mas as lembranças vão embora!

Fabiano Favretto

Socorro!

O dia está morrendo!
Socorro!
O sol está se pondo!
Socorro!
O amor está me corroendo!
Socorro!
O remorso está aparecendo!
Socorro!
Vem a morte socorrendo!

Fabiano Favretto

Valor

Traga poemas no bolso
E o amor valor nos versos.

Fabiano Favretto

Traça

Essa angústia tem me corroído,
Uma verdadeira traça entre livros.

Fabiano Favretto

O frio

A linha é indispensável
Para os meus versos.
Dos meus sofrimentos
Sou o responsável.

A tinta é lamentável
Pois a poesia não a merece;
O café me aquece
Pois o frio é inevitável.

Fabiano Favretto

Pinta

Café, tinta,
Linhas e versos
Que na folha pinta
Em dias perversos.

Fabiano Favretto

C'a fé

C'a fé que eu ando,
Posso ir tomando.

Fabiano Favretto

O âmago

O amargor,
O amar dor.
O amado,
O amador.

Fabiano Favretto

Indo

Domingo
Vai indo.
Indo,
Não me resta
Nada mais.

Fabiano Favretto

Fantasmas

Ressuscitei mais uma vez hoje
Três ou quatro fantasmas.
Fiz uma exumação coletiva
Como nunca antes houve.

Não sou legista ou necromante,
Não sou nada além de um pouco.
Mas é difícil levar quando se é louco,
Pois eu não sou nem amante!

E como se pode agir claramente,
Se ando na dualidade dos mundos?
No final do dia, um conhaque certamente

Me derrubará mais ainda para o fundo,
E os vultos, de modo latente
Não me deixarão sequer um segundo.

Fabiano Favretto

Obrigado

Estou descobrindo a amálgama da vida
Para colar os tijolos diários da existência.
A parede cronologicamente erguida
Me exige força e empenho,
Mas o vento sopra forte lá fora
E entra por meio das lacunas não-propositais.
Duas mãos não são suficientes para segurá-lo,
E às vezes juro que o muro irá ruir.
Mãos extras me ajudam a segurar o peso,
E a juntar os tijolos que caíram.
A amizade, essa amálgama mais que necessária,
Às vezes segura sozinha a parede quando eu caio,
Tornando-se um muro mais forte
Que o próprio muro.

Fabiano Favretto

Ímpeto

Sou amargo e frio,
Um poço de desventuras,
Uma triste criatura
Que corre como um rio.

Sou péssimo em essência,
E torto como galho seco.
Meu grito não tem eco,
Minha alma é sem paciência.

Sou um eterno melancólico
Afim de afundar-me mais,
De modo tranquilo ou caótico.

Eu sei do que sou capaz:
Não controlo o ímpeto
De acabar com minha paz.

Fabiano Favretto

Tire-me

Tire-me a luz e serei belo,
Tire-me o amor e serei eterno.
Tire-me os olhos e serei ouvidos,
Tire-me a poesia e não serei menos.
Tire-me a cruz e serei livre,
Tire-me o ódio e não serei triste.
Tire-me o sorriso e serei normal,
Tire-me a vida e serei banal.

Fabiano Favretto

Transmutação

Dor, frio, merda:
Tudo o que já é dito;
Tudo o que for escrito
Vire flor, rio e pedra.


Fabiano Favretto

Soneto da impaciência

Impaciência é o que venho cultivando
Desde o meu nascimento até hoje,
Pois estou cansado de ficar esperando
Que tudo o que me é mal acabe.

As dúvidas que só crescem desde então
Estão a corroer-me mais que a culpa,
Não que eu me abstenha de antemão,
Só acho que não devo pedir desculpas.

Não quero mais tato e nem abrigo,
Não quero nada que me comprometa.
São à minha tristeza fatores de perigo,

Tudo o que de certa forma me esquenta,
Ou o que faça trazer um riso comigo
Arrebatando-me de maneira violenta.

Fabiano Favretto

Eras


Beber os dias e horas
Do cálice da existência;
Embriagar-me de tempo,
Na fonte em essência;
Afogar-me em vida,
Afim de conhecer o eterno;
Viver como um aluno
Com dúvida nos lábios;
Morrer como um sábio
Detentor do próprio tempo.


Fabiano Favretto

Poesia inacabada da partida

Tenho vontade de beber todos os dias
Porque devo descontar em algo a solidão.
Tenho amigos perto de mim, mas não,
Por eles eu não faço minha partida.

Fabiano Favretto

Chão

Serei jardim
Onde quer
Que você flor.

Fabiano Favretto

Degraus

Não é fácil dar a volta por cima
Quando se está por baixo.
Não é fácil subir a escadaria
Se os degraus te levam abaixo.

Não é fácil pagar com a mesma moeda
Se os recursos são insuficientes.
Quando hei de dar o troco da queda,
Meus recursos não são coerentes.

Há tanto casco e pernas,
Que um mar de ruas é pouco,
E assim, as duras penas

Hão de me deixar como um louco
Até chegar o final dessa era,
Até que eu fique rouco.

Fabiano Favretto

Conhaque #2

Conhaque que hoje me amortece,
Antes foi motivo de lamúrias,
Mas a dor que hoje me aparece
É a pior das grandes injúrias!

Este domingo que me mata
É um domingo como outro qualquer,
Mas o que faço se a dor não é pacata
E me rói eternamente a doer?

Conhaque que me ajuda
A encontrar o desentendimento
Desta realidade estrita,

Em troca de meu descontento
Eu te dou este peito que não mais grita,
Eu te dou este sincero lamento.

Fabiano Favretto

A moça vai à biblioteca

Entre prateleiras
Escolhe livros
Como se escolhesse alianças,
E há um casamento
E comunhão eterna
Entre o papel e os dedos,
Os olhos e a tinta.
Há tanto amor na boca
Que a boca ama o texto.
Um novo livro,
Um novo amor não é suficiente,
E abraça outros amores
Escolhidos metodicamente por autor,
Capa e lombada.
De alguns decerto deve separar-se,
Mas todo verso que a agrada guarda no peito.
É insaciável o seu desejo, e continua a buscar
Novos livros, novas texturas e experiências.
Quem me dera ser poesia para acabar na boca,
Me extasiar nos olhos
E sentir os dedos a tocar a folha da minha existência.
E após isso,
Viver como uma saudosa lembrança,
Afim de perpetuar-me 
Nas tábulas mais profundas do sentimento
Na esperança de ser recitado
Pela boca que tanto amo.

Fabiano Favretto

Canto ao vício

Canto o vício
Que a muitos destrói,
Pois ele é o indício
Da alma que se corrói.

Canto a necessidade
Do uso para sanar o corpo,
E não há autopiedade,
E um grande alívio, tampouco.

O vício que me prende,
E o vício que eu amo
É o vício que me rende!

Por isso ao vício exclamo:
Só quem tem vício entende
Que com vício mais vícios chamo!

Fabiano Favretto

Pensamento que voa

Pensamento que voa
É fera fora da jaula,
É uma doce fábula
A perverter a névoa.

Cabeça nas nuvens
É como nadar no céu,
É rasgar o macio e azul véu
E desbravar paisagens.

Voar nos pensamentos
É libertar-se da escuridão,
É encontrar contentamentos

Nas asas da imaginação.
Reinvento pensamentos
Para encontrar a razão.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Abraço

Para Aline


O abraço que não esqueço
É onde me sinto tão bem,
E poucas pessoas conheço
Que sabem me abraçar também!

Mas tem um abraço de que saudades sinto,
É uma saudade como quase nunca senti
E se dizer que dele me esqueço, minto
Pois me faz bem quando lembro de ti.

E pode tempos ficarem escassos,
E pode muito o mundo girar,
Mas é na volta dos teus braços

Que tanto gosto de recordar,
É que colarei meus pedaços
Mesmo se o mundo acabar.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Natureza reversa

Amor e ódio
São sinônimos
De natureza reversa.

Fabiano Favretto

Caiam os dentes

Que caiam os dentes de minha boca
Se eu beijei outra boca
Senão a que prometi unicamente beijar!
Que eu caia morto por solo,
Se por cima deste solo
Eu não não mais puder amar!

Fabiano Favretto

Trindade

Tenho um cigarro,
Um desejo,
Um remorso.
Queimarei todos.


Fabiano Favretto

Aparador

Comprei um aparador de gramática;
Estou cogitando cortar minhas métricas.

Fabiano Favretto

Resultado

Escrevo para me aliviar,
Mas quero ficar triste.
Pelo resultado da obra,
Estou conseguindo.

Fabiano Favretto

Alguma coisa

Falta alguma coisa
Em meu peito:
Escrevo menos do que sinto,
Sinto mais do que deveria.
Nada me é suficiente,
Pois quando o que é surreal
Foge por entre os dedos,
A realidade torna-se diferente
Do que ouso tanto sonhar.
Sou construtor de um alicerce
Cuja matéria-prima é nuvem.
Fabiano Favretto

Arritmia intestinal

Faço das tripas
Coração
Para digerir
Este amor.

Fabiano Favretto

Chaves

Chaves abrem portas,
Mas também as trancam.

Fabiano Favretto

Não me resta mais que esperar

Não me resta mais que esperar.
Não espero mais do que me resta.
Os dias se acumulam
E as semanas não passam,
Qual uma locomotiva
Que não se desenvolve
Fora dos trilhos.
O labor cresce
E o vento não mais toca
A copa das cerejeiras.
Pareço distante,
Mas na verdade há tempos
Que deixei de ser presente.
Minha inconsistência
Junta o que antes era rocha,
E remói em meus pés.
O mundo, esfera apática,
Não desiste de sua rota
Para que eu possa esperar ainda
O que me resta das horas.

Fabiano Favretto

Maníaco por autodestruição

O maníaco por autodestruição chega na banca de jornal e pede um cigarro avulso. A dona da banca fala:
- Sabia que a cada cigarro você perde 11 minutos de vida?
- Quero 3 carteiras!

Fabiano Favretto

Ainda sigo

A poesia volta a surgir
Entre escombros e fuligem.
Matei dois, morri três:
É preciso matar-se três vezes
Para perceber que se está vivendo.
Entre o canteiro de obras e o abismo
Está o menino que chora;
Este tem toda a percepção do mundo
E a alma pesada por seus dias.
Nada temo agora:
Anoiteceu pela janela do ônibus
E a realidade não embarcou.
Ainda sigo.

Fabiano Favretto

Conhaque

Quero um dia frio
E uma noite quente,
Pois não sou valente:
Sou deveras vazio.

Quero um conhaque
E um motivo para beber,
Pois não faço valer
A realidade: um baque.

Quero uma tarde
Que não acabe cedo,
E quero alarde,

Para mostrar que bebo.
O conhaque arde,
Assim me percebo.

Fabiano Favretto

Saudade

Saudade da infância
Onde tudo era brincadeira,
Não possuía essa ânsia
De querer perder a estribeira!
Fabiano Favretto

Vultos

Estou sozinho no mundo
Assim como quando nasci,
E o poço pode ir mais fundo:
Disso não me esqueci.

As faltas se acumulam
E os dias são tão mais curtos
Como as chuvas que vão e voltam
Estou a ver vultos e vultos.

Qual domingo que me mata,
Numa cidade que acha que não cresceu,
A saudade não é mais tão pacata

Devido a um amor que nasceu
Para tirar-me o ódio, coisa sensata,
E a falta dela em mim não morreu.
Fabiano Favretto

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Suposições sobre a brasa do cigarro e o espaço-tempo

Há uma relação intrínseca no universo
Entre acender um cigarro
E esperar um ônibus:
O tempo curva-se nesses instantes,
E a percepção do mesmo é definido
Pela brasa queimando no cigarro.
Por exemplo: quando acende-se um cigarro
Na intenção de fumá-lo sem esperar um ônibus,
O tempo para queimar tal cigarro passa rápido;
No entanto, de modo que o tempo passa rápido,
Tu não o percebe, e parece que o cigarro 
Cumpriu seu papel em tempo padrão.
Quando está a esperar um ônibus,
O tempo de queima da brasa dobra, e
Você quase sempre corre o risco de descartar
O cigarro pela metade.
O tempo de espera parece ter encurtado,
Mas seguiu o padrão da espera
Da chegada do ônibus como sempre.
É fato que o espaço que a brasa percorre
É menor que o caminho que o ônibus faz,
Mas o tempo que ela leva para queimar o cigarro
Será maior que o tempo da chegada do ônibus.
Toda vez que um cigarro é aceso,
O tempo curva-se, e o ônibus sempre chegará antes
Que este acabe.

Fabiano Favretto

Há um bom tempo...

Há um bom tempo eu havia esquecido
Da textura da grama e do sereno do inverno,
Há um bom tempo eu apenas tinha vivido
Parte no limbo ou parte no inferno

É que a vida as vezes me cobra
E a esperança as vezes é pequena
Minha idade nesta era dobra
Enquanto espero que o fim venha.

Há certo tempo me preocupei com dinheiro
Na esperança que acabaria com meus problemas,
Mas o que ganhei nunca aproveitei por inteiro
Estava entre o inferno e o poder com tal dilema.

É que a vida as vezes me cobra
E a esperança as vezes é pequena
Minha idade nesta era dobra
Enquanto espero que o fim venha.

Há alguns verões que eu não via a luz do dia,
Nem as correspondências que chegavam.
Havia uma carta em especial que eu queria,
Vieram certos ventos e com meus versos acabaram.

É que a vida as vezes me cobra
E a esperança as vezes é pequena
Minha idade nesta era dobra
Enquanto espero que o fim venha.

Há alguns dias que preguei tábuas
E espero as flores do jardim florescerem
Para usarem-nas de maneiras ávidas
Em meu funeral com zelo e coragem.

É que a vida as vezes me cobra
E a esperança as vezes é pequena;
Minha idade nesta era dobra
Enquanto espero que o fim venha.

Fabiano Favretto

terça-feira, 25 de junho de 2019

Revê(lê)-los(vos)

Relevei o que me revelastes,
Mas tu não me revelou o que havia relevado.
Eu revelo a fotografia
De teus relevos:
Seus relevos,
Gostaria
De revê-los.
Fabiano Favretto

Morro e relevo

Eu morro,
Eu, o morro.
Eu morro senão amar
Eu e o morro a se chegar.
Eu morro por querer:
Eu no morro a morrer.
Eu morro e a morte;
Eu morro, e a sorte?
Eu morro relevo a vida,
Eu morro e revelo a ida.

Fabiano Favretto

Tutorial para matar poeta parnasiano

Dê um tiro.

Fabiano Favretto

Cheiro de morte

Venho há tempos sentindo o cheiro:
O cheiro de morte está aqui,
E cheiro de flores para mortos,
Cheiro de flores mortas também senti.

Cheiro forte de alvejante
Como de quem limpa o salão,
Mas não sai o cheiro de sangue
Que insiste em ficar nas mãos.

Sinto o cheiro de morte,
O formol e o perfume juntos
Como uma colônia forte.

Sinto cheiro de defunto,
E o odor da má sorte:
Com isso a morte vem junto.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Pôr do sol na cafeteria

Estou naquele momento
Em que as luzes se confundem:
Lá fora pôr do Sol, lúmens
E a luz de mercúrio aqui dentro.

Neste lusco-fusco passageiro,
O Sol vai levando minha esperança.
Este dia será somente lembrança,
E o café meu mensageiro.

Fabiano Favretto

É pena

É pena que a distância
Seja um fator dificultante
Entre nós, como amantes.
Isso tem tomado relevância.

Te querer é diferente de amar:
Como irei te compreender
Se tu não pode entender
Que longe não posso ficar?

Fabiano Favretto

Chance que nada

Uma chance eu teria
Neste domingo que viria:
Eu fico na expectativa
Agora, e de forma definitiva.
Mais um domingo que acaba,
Mais um dia que desaba.

Fabiano Favretto

Bicho poeta

O homem é o único
Animal que sofre
E gosta disso.

Fabiano Favretto

E agoura?

O agora
Vigora
E agoura.
E agora?

Fabiano Favretto

Um tipo

Estarei
Me tornando 
Algum tipo 
De Bukowski?
Não sei tanto
De sexo e da vida,
Não sei nem
Ao menos
Quem eu sou.

Fabiano Favretto

Cortina

Minha fonte de calor
Faz densa cortina,
Mas lembro que já tive horror
Da maldita nicotina.

Fabiano Favretto

Hipotermia

Hoje com sorte
Talvez eu morra
De hipotermia!
Mas não quero a morte,
Talvez eu corra.
Alguém me impediria?

Fabiano Favretto

Vem do coração

Átrios,
Ventrículos;
Versos,
Versículos.

Fabiano Favretto

Digníssimas aranhas

Diferente das aranhas,
Os seres humanos
Não são dignos
De terem
Oito membros.

Fabiano Favretto

Cigarro pigarro

Carteira de cigarro;
Uma piada com escárnio:
De um lado causa câncer,
Do outro me vem um escarro.

Tanta rima a se fazer,
E eu rimando doença com efeito.
Seria melhor enlouquecer
Do que pensar em um dia perfeito.

Fabiano Favretto

Para esquecer

Domingo para esquecer
Mesmo você querendo
Lembrar para valer.

Fabiano Favretto

Comovente

Tão comovente o meu estado,
Pareço tão poeta no domingo.
Mas é o ódio que acaba, coitado:
Eu apenas vou seguindo.

Fabiano Favretto

Xeque

Estou em uma mesinha na praça,
E há nela um tabuleiro de xadrez.
Quando eu cheguei estava em xeque,
Mas agora xeque-mate talvez.

Fabiano Favretto

domingo, 26 de maio de 2019

Status Quo.

Eu quero um desapego
Daqueles de não importar-se.
Eu estou como um prego
Na areia sem cravar-me.

Estou como uma folha seca:
Ao chão caído e com significado.
Mesmo que agora algo aconteça,
Nada melhorará o meu estado.

Fabiano Favretto

Fora

Fora de controle,
Fora de alcance:
Tudo o que me comove
Talvez te balance.

Fora da rotina,
Fora da realidade:
A notícia cretina,
É que é tudo verdade.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 15 de maio de 2019

3 anos

Sobrou uma cadeira vazia na área,
E os causos que antes ecoaram.
A estrutura ficou precária,
Mas os ensinamentos não o foram.

Sobrou um armário velho
Com gavetas surradas pelo tempo,
E ainda nelas, dentro,
Objetos de um tempo alheio.

Mas quem na varanda
Tanto eu costumava ver,
O dia não me desvenda:

Acabou-se as histórias, o lazer,
Mas tu ficará na memória.
Jamais irei te esquecer!

Fabiano Favretto





Mosca

Uma mosca voa
Sobre a minha taça de vinho,
E ameaça cair uma,
Ameaça cair duas,
Ou três vezes.
Encontro mais filosofia
No voo de um inseto
Do que na vida que eu tinha.
Aliás, como se vive
quando o vinho acaba?

Fabiano Favretto

Jazzy

Depois do fim,
Inventaram a vida.
E não obstante,
Com o jazz
A morte
Poderia existir.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Peito aberto

Eu te amo igual ao número
De balas que tenho na cartucheira,
E isso não é pouco, acredite.
Você tem feito eu gastar minha munição
De uma maneira inconsequente:
O meu tiro tem precisão
Mas tu me desarma sempre
Antes de acertar seu coração.

Não sou um cara piedoso,
E menos ainda um gentleman,
Mas você me fez colher rosas
(Certa vez até ousei cheirá-las).
Você só amou a minha arte
E sou mestre em forjar mentiras (verdades!).
Você só ama o que idealizou
E jamais você chegou tão perto do perigo
Achando ainda que eu sou
Apenas algum amigo,
Realmente assim você me apunhalou.

Minhas balas estão caindo
Assim como chove em janeiro:
Vai se esvaindo um dia de verão,
E meu tiro, um trovão
Cai em algum lugar que não creio
Ser o meu alvo de antemão.
Um dia vou acertar
Uma bala em seu peito
Para que deste jeito
Possa me amar,
Ou se não der certo,
Assim findar
Como eu, de peito aberto.


Fabiano Favretto

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Momento infinito

Por mim ela passou
E senti o perfume,
Ela em passos rápidos
Me carregou em seu aroma.
Como se fosse
Um pássaro na brisa,
Estava eu extasiado
Naquele momento perfeito.
Amei tanto aquela mulher
No espaço de um minuto!
Poetas amaram menos
Em suas vidas inteiras
Do que eu a amei
Neste instante.
É ela tanta flor, 
E é tanto vento
A roubar seu aroma
Para que eu deposite-o
Em minha memória infinita.
Fabiano Favretto

domingo, 21 de abril de 2019

Trova

Espero que a trova
Que me trava traga
A troca de minha treva,
E as trancas que trago
Travem a travessa
Desta tarde que troveja.

Fabiano Favretto

Páscoa sem ressurreição

Chocolate
E um
Vazio no peito.

Fabiano Favretto

No que vai dar

Não estou corroborando
Com a verdade que me pediram,
Pois tanto passei chorando
E tanto me iludiram!

Não estou mais conseguindo
Olhar o amor como olhava!
Estou agora persistindo
Na realidade que antes ignorava.

Não estou mais tão preso
Em correntes para não ficar só:
Tudo antes era um peso,
Que agora fiz virar pó.

Não estou mais me importando
Com o que eu deveria me importar.
Eu agora vou me acostumando
E quero ver no que vai dar.

Fabiano Favretto



segunda-feira, 8 de abril de 2019

é um adeus

Mataram o último gentleman,
O velório dele será ainda hoje.
Não haverá choro e nem tristeza,
Afinal em vida, nenhuma o quis.

Morreu sozinho o gentleman,
Com um tiro no peito!
Dramático como era,
Não poderia acabar diferente.

Findou-se um gentleman
Com toda a sua insignificância;
Ficaram as flores, a poesia,
O revólver e um quadro na parede.

Acabou-se o último gentleman
Assim como acabou o whisky.
Sem pena, sem dores,
Sem amor e sem resignação.

Fabiano Favretto


domingo, 7 de abril de 2019

Mentiras

Como escapar
Da mentira
Nesse dia
Se eu lembrar
Que a própria vida
É uma mentira?
Fabiano Favretto

Mosquitos

A minha boca acorda amarga
Do vinho da noite anterior.
Um mosquito bate insistente na janela.
Não tenho calor nem frio,
O tempo é irrelevante sobre a cama.
A mosca é o único relógio que me sobra.
Com sorte ela morrerá hoje,
Com mais sorte, ela achará a saída.
Minha vida não é mais importante
Do que a vida de um inseto.
Pois como tal permaneço preso
Dentro deste quarto.
Ouço sirenes ao longe
E não me importo.
Quando a luz do sol bate em sua cara,
Você se lembra porque a noite é melhor.
Fabiano Favretto

E ver

Vou misturar
Algum álcool
Com psicotrópico
Para ver no que vai dar:
Ficar mais lastimável
Do que entrópico,
E ver se vou durar.

Fabiano Favretto

Queros

Quero beber
Quero esquecer
Quero saber 
Quero perder
Quero foder
Quero comer
Quero crescer
Quero viver
Quero nascer
Quero morrer

Fabiano Favretto

Elaborei

A nota vazia
Que descartei
Tem mais sentimento
Que algumas poesias
Que elaborei.
Fabiano Favretto

Onde

Meu domingo
Foi tão rápido
Que não deu tempo
De sentir alegria
Ou sentir tristeza.
O sofá foi o meu berço
E a televisão minha parceira.
Para onde vão as horas
Que fogem de nossa percepção?

Fabiano Favretto


domingo, 31 de março de 2019

Quinta-feira

Hoje é quinta-feira
E me sobrou só o chapéu.
Tenho meus amigos
E tenho minha banda,
Mas é diferente agora.
Está garoando na
São Francisco
E vamos tocar ainda hoje.
Hoje é quinta-feira
E me sobrou só o chapéu.
Fabiano Favretto

14D

Desumanizar
Desintegrar-se
Desmistificar
Dessocializar-se
Desrespeitar
Desinteressar-se
Demonizar
Desmotivar-se
Desestruturar
Debandar-se
Desatualizar
Desencadear-se
Deslocar
Dedetizar-se.
Fabiano Favretto

Em quem?

Em quem acreditar?
Se estou sozinho
Nesta ilha
E duvido de minha capacidade?
Fabiano Favretto

Sobriedade

A sobriedade
É um defeito
Que não vem
De fábrica.

Fabiano Favretto

Rodoviária

Rodoviária,
Antro dos assassinos,
Lar dos desavisados
E dos miseráveis
Esquecidos por Deus

Há prostituição,
Há drogas,
Há o fim do caminho,
E há o desaviso.

Mas há sempre o dia
Que limpa a imundície
Que pede passagem
E se instala
Madrugada a dentro
Com o vento sujo
Da sarjeta.
Fabiano Favretto

Tira-me

Tira-me o sono
Tuas mãos
De abandono.
Tira-me a crença
Tuas mãos
De indiferença.
Tira-me a alegria
Tuas mãos
De agonia.
E tira-me a felicidade
Tuas mãos
De falsidade.
Fabiano Favretto

Solo

Afinal,
É comum
Perder o sono
Sem razão?
No final,
É comum
Perder-se solo
Sem coração?
Fabiano Favretto

Punk of Balsa

Guitarra
Cigarra
Cigarro
Catarro.
Fabiano Favretto

Podrão

Seu amor
É aquele podrão
Da esquina
Que tem até
O inferno dentro.
Fabiano Favretto

Encruzilhada

A encruzilhada
Tem 4 caminhos:
Três de ida,
E um de volta.
Fabiano Favretto

Cera

Me toque
Como quem toca
O sino da capela,
E sinta como sente
Quem encosta
Na cera quente
Da vela.
Fabiano Favretto

Barranco

Solo,
Solavanco.
Batida,
Barranco.
Fabiano Favretto

Sangue

Sangue que corre
Sangue azul
Não é sangue melhor,
É sangue comum.

Sangue que reina
Sangue que vive
É sangue que queima,
É meu sangue que exige.

Sangue que sangra
E escorre marcando
Como uma sanga
Que vai se formando

Sangue ácido
Meu sangue escuro
Não é Plácido
Mas é sangue puro

Sangue que corre
Sangue que reina
Sangue que morre
O meu sangue queima.
Fabiano Favretto