A mão incerta, tremelicava em movimentos de zigue-zague, no ato de coser a colcha surrada ainda do tempo do casamento. A cadeira-de-balanço rangia a cada vez que a cadeira pendia para trás, produzindo um som engraçado e desafinado.
A senhorinha assoviava enquanto costurava. Logo terminou. As mãos ainda trêmulas percorreram todo o cabelo cor de prata, como se seus pensamentos estivessem espalhados e com este gesto pudesse ordená-los novamente. Apoiou um dos cotovelos no braço da cadeira e com um movimento quase que de preguiça levantou-se. Veio ao meu encontro e me deu um abraço caloroso. Passamos a tarde toda conversando sobre coisas da vida, coisas que aconteceram nos tempos de mocidade. Uma nostalgia tomou conta do ambiente.
Conversa vai, conversa vem e o tempo passou. Eu disse que iria para casa. A senhorinha pegou na minha mão e com um sorriso sincero agradeceu a companhia. Disse há muito tempo não tinha uma conversa boa como aquela, e que provavelmente não mais a teria. Assustei-me com a afirmação e perguntei qual o motivo de ter afirmado tal coisa. Ainda sorrindo, porém desviando o olhar para o chão, disse para eu reparar em seus cabelos brancos. Não entendendo o motivo da pergunta, quis perguntar, mas fui interrompido por ela, que agradecendo a mim, foi me levando em direção à porta.
Agradeci a hospitalidade, acenei com a cabeça e comecei a andar em direção à minha casa. Parei no portão, e olhando para trás, vi na janela a sua silhueta, que em poucos segundo desapareceu na penumbra de sua casa.
Certa manhã, acordei com batidas à minha porta. Levantei rapidamente e fui atender. Olhando em direção à rua não avistei ninguém, mas quando olhei para o chão, encontrei um envelope, o qual peguei e logo o abri. O envelope continha uma foto minha e da senhorinha, e uma carta avisando que a senhorinha havia morrido na madrugada passada. Lágrimas rolaram por minha face e molharam a folha branca do papel, borrando parte do texto escrito em nanquim.
O tempo passou: dias, semanas, meses e anos. A cadeira da senhorinha continua existindo, porém com alguns reparos e algumas peças novas. Hoje quem senta em seu lugar, sou eu. Olho-me no espelho e vejo cabelos brancos. Quando os toco sinto a presença da senhorinha, e parece que a vejo sentada na mesma cadeira, costurando e sorrindo. Há coisas que o tempo faz-nos esquecer, mas também há coisas que nem o tempo consegue apagar.
Vejo o retrato que recebi no envelope aquela vez, no dia posterior ao dia derradeiro, e levo comigo a certeza de que Senhorinha ainda continua viva, em suas histórias, carisma e sorrisos.
Sorrio agora: chegou a hora de partir. Não, eu não vou para casa, eu vou encontrar Senhorinha.
Fabiano Favretto