sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Aprendam!


"De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente."

Mario Quintana

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ah, os 'causos'!

 Os 'causos'! Não há quase nada mais saboroso do que escutar um bom e velho 'causo' - aquele do tempo de nossos avós. De terror os melhores, de vivência à priori e de lições morais não são menos importantes.
Para se contar um 'causo', há algo quase tipo uma cerimônia, um ritual, uma preparação.
 A disposição das palavras, a expressão facial (o auge do teatro representado em poucos atos), e ah, a disposição das pernas - hora cruzadas, hora dando pulinhos. Uma olhada no relógio, como se cronometrasse o tempo da história. Uma luz o ilumina enquanto em um gesto rápido acende o 'paiero' (breve fumaça em formatos encaracolados, ou desenhos que lembram caravelas velejantes num mar não muito turbulento).
 Tudo isso me delicia e parece fazer parte de um enredo! A chaleira de ferro amassada, repousada silenciosa sobre o assoalho, somente faz um tilintar quando enche vagarosamente a cuia de purungo. Em roda faz-se as pessoas, e em volta se monta a história.
 Em verdades ou mentiras, casos e 'causos', conversas ou prosas, o que espero é  que nunca acabe a singela sabedoria popular, de experiências, conhecimentos e de preciosos ensinamentos, dos quais jamais me esquecerei.

http://goo.gl/p7lnkg

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Motivos para ficar..


...São bem diferentes daqueles que te levam para longe.

O nariz


Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma solida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
- O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.
- Isto o quê?
- Esse nariz.
- Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.
- Logo você, papai...
Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.
- Tire esse negócio.
- Por quê?
- Brincadeira tem hora.
- Mas isto não é brincadeira.
Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou:
- Aonde é que você vai?
- Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.
- Mas com esse nariz?
- Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. – Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só por que é um nariz...
- Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor...”), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.
- Ele enlouqueceu?
- Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. – Nunca vi “ele” assim.
Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
- Você vai usar esse nariz na cama? – perguntou a mulher.
- Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.
- Mas, por quê?
- Por que não?
Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isso. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.
- Papai...
- Sim, minha filha.
- Podemos conversar?
- Claro que podemos.
- É sobre esse seu nariz...
- O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?
- Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?
- O nariz é meu e vou continuar a usar.
- Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.
- Não tem porque não quer...
- Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço?
- Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O sei pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma diferença.
- Se não fez nenhuma diferença, então por que usar?
- Se não faz diferença, por que não usar?
- Mas, mas...
- Minha filha.
- Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.
- Você vai concordar – disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele – que seu comportamento é um pouco estranho...
- Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam tudo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Que dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz!?
-É... – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão...
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for não se entregou. Continua a usar nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.

 - Luís Fernando Veríssimo

domingo, 11 de novembro de 2012

Eu mesmo, mesmo Eu

Às vezes acho que não sou eu mesmo,
Esse mesmo eu não sou.
Ou talvez eu seja tanto eu
Que sou à ponto de não o ser.

Um Doppelgänger narcisista,
O espelho não me fita.
Insiste em refletir quem não sou
Uma busca pela não-identidade,
Talvez pelo anonimato.

Não sei se existem
Fundamentos de auto-descrição,
Três alternativas talvez..
Uma Opção.
O mesmo Eu,
Eu mesmo,
Eu.