domingo, 29 de dezembro de 2019

Piedade

Piedade São Francisco,
Piedade Santo Antônio,
Pelo não-dom metafísico
E pelo não-conhecimento
Do livro do Deuteronômio.

Fabiano Favretto

Absorto

Queria os lábios,
Queria o corpo.
Queria a sobriedade
Queria estar absorto.

Fabiano Favretto

Alguém ninguém

Me trate como alguém
E se decepcione.
Me ache um ninguém
E se emocione.

Fabiano Favretto

Ópio

Tenho fome, tenho nojo;
Tenho desdém, tenho gozo;
Tenho desordem, tenho ciência;
Tenho certeza, tenho incompetência.

Tenho revolução, tenho calmaria.
Tenho versos, tenho dislexia.
Tenho ordem, tenho ódio.
Tenho controle, tenho ópio.

Fabiano Favretto

Enfrentaria

Qual líquido âmbar
Que assim persiste a existência,
Não de poetas, em essência,
Mas que a vontade faz acabar?

Vontade do que seria,
Se a cruz é sempre o destino?
Em meus versos, me colidindo,
Qualquer pena enfrentaria.

Fabiano Favretto

Quinta

Hoje é quinta-feira,
Mas como me parece sábado,
Pode ser um prelúdio
De um último dia,
De uma última vontade.

Fabiano Favretto

Aberta a noite

Está aberta a noite.
Sairão gárgulas
Que despirão suas mágoas
À luz de tungstênio.

Fabiano Favretto

Sole mio

Você é como o Sol:
Se põe sem
Se importar comigo.

Fabiano Favretto

Espinho

Tenho um espinho em meu dedo,
O que me impede de segurar
A caneta de maneira adequada.
É culpa desse espinho
A minha péssima caligrafia
E meus versos
De espezinhamento.

Fabiano Favretto

Boa ordem

Coloco agora
Os meus pensamentos
Em boa ordem.
As rimas não.

Fabiano Favretto

Degraus

Ter um amor qualquer
É pior que ter amor nenhum,
Afinal, um amor comum
Não é capaz de enlouquecer.

Amores, é Amor somente,
Mas diferem-se entre si, veja:
O meu amor real pela cerveja
É de fato menos malevolente.

O amor geralmente acaba
Quando o copo esvazia
Ou quando é percebida a cilada.

Quem sabe eu não diria
Que é tudo uma escada:
Com muitos degraus, porém, vazia.

Fabiano Favretto

Pedreiro

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| Palavra  | por  | palavra, |
--------------------------------
|  Tijolo |   por    | tijolo,   |
--------------------------------
|  O  |    pedreiro   | trava  |
--------------------------------
|   Sua    |  obra     |  em    |
--------------------------------
|    Poesia   |    concreta    |
--------------------------------

Fabiano Favretto

Queria

Por que fui entrar
Neste mundo de poesia?
Foi mais além do que eu queria,
Foi preciso mais que precisar.

Fabiano Favretto

Me faltaria

Me faltaria tinta,
Me faltariam as mãos
Se não faltasse ainda
A inspiração.

Fabiano Favretto

Dizer que não

Folha em branco,
Caneta vermelha:
Não há coisa que se assemelha
Ao meu choro e pranto.

E a rima que me move,
É a sina e meu chão.
Poderiam me dizer que não,
Mas a poesia me comove.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Vontade

Para minha amiga Aline Pinup


Era tanta vontade,
Era tanto tesão,
Que parecia um furacão:
Muito mais que tempestade.

O Gin derrubou em seus seios,
E eu queria tanto neles beber!
Embora eu soubesse o que fazer,
Estava procurando os meios.

E quando ela se esfregava,
Meu coração tinha arritmia.
Queria aquela mulher naquele dia
Para saciar a sede que me afogava.

E ela muito me provocava,
E ah, ela sabia como fazer.
O que estava para acontecer
Tenho certeza que ela suspeitava.

Não estava suportando esperar
Para ter aquele corpo junto de mim,
Pois ela exalava sensualidade, enfim
Eu desejava na cama com ela estar.

Entre as quatro paredes,
Ela deixou que eu agisse:
Como um caçador nada disse,
Não acreditava ser realidade.

E que relevos fantásticos,
E que curvas! Nelas me perdi.
Tudo aquilo que eu vi
Me traziam desejos atávicos.

Arranquei tudo o que bloqueava passagem,
E sua forma pura então observei.
Esperando, na hora certa ataquei
E a possuí, com pensamentos de sacanagem.

Foi uma briga de fato consentida,
Onde corpos brigavam contra a distância.
Na boca dela não encontrava relutância:
No seu corpo fazia do branco cor colorida.

Foram tantas idas e vindas
Numa união de dois corpos incandescentes,
Sabendo que não seria diferente
Traçamos estradas de forma lenta, não corrida.

Quando chegávamos ao êxtase,
Somente sobrava a nossa respiração.
Pulmões ofegantes, de antemão
Mostravam definitivo estado de catarse.

Quando faltaram as energias,
Nem o vinho ou lúpulo adiantaram:
Apenas necessidades ficaram
Para recarregar nossas baterias.

Noite a dentro avançamos
Nesta disputa louca de satisfação.
Embora seja vazio o meu coração,
Naquela noite, estou certo que amamos.
Fabiano Favretto

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O dia de um aniversário

O dia de um aniversário
Está além da própria escolha:
Nascemos sem consciência,
Sem poder pensar o contrário.

Nascemos por poder nascer,
E o tempo é, sobre tudo, regressivo.
Não há maneira de ser objetivo
Por chegar mais próximo de morrer.

São anos que me foram tirados,
E da métrica dos dias tenho conhecimento.
Comemorar o que me é arbitrário

É como comemorar um jogo comprado:
Não há surpresa, o resultado está pronto.
Como poderia então eu estar feliz, de bom grado?

Fabiano Favretto