domingo, 26 de novembro de 2017

Tatuagem

Será que o tal do amor
É isso de estar presente,
E ao mesmo tempo distante
Cercando-nos de dor?

Tatuei em ti minhas iniciais,
Não para fazer de ti a minha propriedade,
Mas para indicar toda a sobriedade
Dos meus sentimentos principais:

O que sinto por ti é puro,
Diferente da tinta que sai.
É igual uma ferida no escuro

Que como na luz cicatrizando vai,
Ou então a coragem que procuro
Que em sua presença se esvai.

Fabiano Favretto

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Aurora

O dia diminui
O volume
Do vaga-lume?

Fabiano Favretto

Letras

A primeira foi F;
Marca de nascência no rosto.
Amor de infância,
Faria muito gosto
Se hoje a encontrasse.

A segunda foi A;
Cabelos loiros,
E dos olhos ainda lembro:
Olhos castanhos,
Mas a mim ela não lembra.

A terceira foi T;
Adolescência à flor da pele,
Mas distância presente.
Só foi um abraço.
Foi um tempo triste.

A quarta foi F;
Tempos de faculdade.
Que abraço apertado,
Do qual sinto saudades.
Ao vê-la sinto ansiedade.

A quinta foi C;
Quase entrei em briga por ela,
Mas afastamo-nos logo.
Hoje nos falamos pouco.
Gostaria que ela me chamasse.

A sexta foi M;
Mas essa me arrebentou ao meio.
Saiu rezar e voltou com um não,
Com interesse alheio
Ao que passávamos então.

A sétima foi C;
Tão longe morava-mos
Que fazíamos planos
Para podermos nos ver:
Nunca concretizados.

A oitava foi L;
Lindos olhos tinha ela
E um lindo coração.
Não poderia amá-la
Por não merecê-la até então.

A nona foi S;
A ela dediquei a minha vida.
Foram tempos muito bons,
Mas nas vindas e idas,
Ela me matou, pelo que parece.

A décima foi a J;
Anônima e de tempos alheios.
Falamos ainda por outros meios,
Mesmo que eu e ela não possamos
Mostrar do que se gosta.

A décima primeira é a T;
Mas de mim não faz questão.
Fico triste até então
Por não saber onde ir
Sem a companhia que costumava ter.

A décima segunda é a I;
Mas dessa não tenho mais esperança.
Tenho lutado tanto,
Que sou insignificância;
Nenhum beijo consegui.

Fabiano Favretto





domingo, 19 de novembro de 2017

Arrisque

O Sol tem luz,
Eu tenho Whisky;
Arrisque adivinhar:
Qual me seduz?

Fabiano Favretto

Travessia de graça

Hoje pedestre
Atravessa na faixa.

Fabiano Favretto

Todo domingo é um luto

Campo Largo morto
Neste domingo
E em todos os outros.
Assim eu ando entre lápides:
Bares, biblioteca, museu...tudo fechado.
Como sobreviver a estes breves dias
Sem que me pegue a melancolia?

Fabiano Favretto

Estio

Solo
O Sol,
Elos
Áridos.

Fabiano Favretto

Dizes

Não minta que você não fala,
Não fale que você não mente.
Não digas que algo sente,
Quando não sente o que dizes.

Fabiano Favretto

Escuridão irrelevante

O céu se fecha
E o solo some sob seus pés;
Fechastes os olhos,
Mas as imagens
Permanecem fixas
Em sua memória,
À prova de toda
Essa escuridão.

Fabiano Favretto

Expectativas > realidade

Não te mostre mais
Do que aquilo que podes ser.
As expectativas criadas podem
Levar todos ao chão.

Fabiano Favretto

Plataformas

Teus pés cansados na chuva
São plataformas
Enquanto o mundo
Desaba chorando;
O tempo esvai-se,
E a dor vai-se somando.

Fabiano Favretto

Lugares

Lugares sem senhas,
Sem filas,
Onde esperar somente
É a ordem natural.
Na pífia existência
Talvez não existam,
Nem em qualquer universo tangível,
Mas sim, na imagem turva
Do pensamento livre.

Fabiano Favretto

Caos e café

O poeta da entropia
Não tem fé
E não tem alegria;
O poeta tem café.

Fabiano Favretto

Passos

Fugir fugir
Correr correr
Agir agir
Sofrer sofrer
Cair cair
Morrer morrer

Fabiano Favretto

Vida.txt

Oh céus, esta vida
De escritório,
É uma vida acessório
Nunca bem vivida.

Fabiano Favretto

Nublado sempre

Sol, não te atrevas
A mostrar sua iluminada face!
Não dê luz à este cinza domingo.

Domingos devem ser tristes
Quando não se está
Com seus amigos,
Quando não se está

Com quem se ama.

Fabiano Favretto

Talvez uma definição

A vida é a soma
Dos desencontros
Das pessoas certas
Em tempos inexatos.

Fabiano Favretto

O que é?

O que é a vida?
Tenho me perguntado.
Mas o significado
Não soube dizer ainda.

Fabiano Favretto

Ficção de domingo

Dizíamos então:
"- Vamos sair,
dançar, nos divertir..."
Mera ficção.

Fabiano Favretto

Dissecado

Na sala de anatomia
Meu coração dissecado;
Ali, assim ocorreria
Uma aula, órgão analisado:

-Prestem atenção, classe
Eis um coração de poeta!
Vejam a forma incorreta...
O que ele diria se falasse?

Mas coração não fala
Muito menos depois de morto,
E quando morto à bala

Não tem mais desconforto,
Não mais se abala
E não bate mais torto.

Fabiano Favretto

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Movimentos do ritual para o nada

I - Do acordar:

Acordo e vejo a parede branca.
Acordo mas dormindo não estava,
Pois sono nos sonhos me levava,
E nestes não há verdade franca.

Meus pés tocam o chão frio,
Mas não encontro terra firme.
Não há nada que me afirme
Que ainda não saí do trilho.

Minhas mão percorrem o cabelo
Em busca dos primeiros pensamentos;
Encontro em mim alguns lamentos:
Nada do que vejo tem sido belo.

Permaneço sentado sem ação
Torcendo para que o acaso surpreenda;
Há apenas uma mosca na janela,
Nenhuma outra distração.

II - Da caminhada ao banheiro:

Enrijeço todos os músculos do corpo,
E em movimento metódico
Lento, porém períodico
Levanto com máximo esforço.

Tudo fica escuro por alguns segundos,
E perco a noção do espaço,
Pareço não encontrar o pedaço
Que está faltando em meu mundo.

Arrisco o primeiro passo,
É doloroso assumir mais um dia.
Outro passo, e a dor voltaria
Junto com meu velho cansaço.

Passo a passo chego ao banheiro,
Mas carrego todo o peso da vida;
Quão pesada é essa pequena ida
Para ver meus olhos marinheiros.

III - Da métrica da pasta de dentes:

Sabor de menta artificial,
O mistério das duplas cores contínuas;
Verde, simétricas as quatro linhas
Convergem sempre ao final.

Que segredo escondem os tubos,
Onde pastas de dente são guardadas,
Refrescantes, talvez amargas - resignadas
Fazem no dia o primeiro roubo.

Não tenho forças para apertar
E a pasta de dente chega ao final...
Essa derrota ainda me persegue afinal
Ao dormir e ao despertar.

Coloco toda minha pouca força
Entre meus dedos afinal,
E num movimento fatal
Nada faço mesmo que retorça.

IV - Da troca de pele necessária:

Desnudo e com frio,
Retiro os trapos de dormir.
Com a temperatura a cair
Eu não mais rio.

Visto a pele necessária,
Vã representação de "ordem",
Ordem essa que outrem
Julga ser não temporária.

Me vejo no espelho sujo,
Vestido daquilo que não sou.
Vestido para onde vou,
Representando ser dito e cujo.

A pele trocada fica em casa,
Mas à tarde volto para buscá-la.
Temo um dia não encontrá-la
E viver alheio sob esta casca.

V - Da morte diária:

Tudo simétrico e acertado,
Estou pronto para mais uma morte.
E a despeito da própria sorte,
Meu destino tenho encarado.

Mais um passo à frente,
O ar frio encontra meus pulmões,
Espasmos, gemidos, leões
Não seria uma manhã diferente.

Todo metro a mais andado,
Mais sinos tocam tristes
Não percebe? Não ouvistes?
É um triste e doce chamado.

Estradas de concreto onde vais
Além das curvas habituais,
Leva-me além destas quais
Me façam esquecer de meus ais.

Fabiano Favretto


domingo, 5 de novembro de 2017

Das fotografias esquecidas

Do retrato
De minha vida
Sobrou somente
Uma moldura.

Fabiano Favretto

Sinto muito

- Não estou bem.
- Então você sente?
- Não sinto nada.
- Desde quando?
- Olha, sinto muito.

Fabiano Favretto

Resíduo

Acordes menores
Demonstram o começo
De uma semana cujo desfecho
Terá dos maus os piores:

A ausência da vida diária
Que em suma é sofrível,
E tal ocasião jamais preterível
Será aceita de forma ordinária.

Não que eu tenha me acomodado,
Mas agora as dores já me fazem parte
E ainda tem me incomodado;

A forma como procuro arte,
Ou os gestos quando tenho andado
Mostram que o meu eu é descarte.

Fabiano Favretto

E quem tem conseguido?

Estou ficando louco
Com essa falta de sorte

E assim tampouco,
Não tenho evitado a morte.

E quem tem conseguido?

Fabiano Favretto

Mais um domingo

O que um domingo tem para oferecer
Além de uma cama vazia e gelada?
O que um domingo tem para oferecer
Além de uma tarde fria e nublada?
O que um domingo tem para oferecer
Senão o tempo rápido como escárnio?
O que um domingo tem para oferecer
Senão uma dose de infortúnios?
O que um domingo tem a oferecer
Além da solidão puramente ácida?
O que um domingo tem a oferecer
Além da desesperança nunca plácida?
O que um domingo tem a oferecer
Senão essa taça de amargura?
O que um domingo tem a oferecer
Senão essa realidade sórdida e dura?

Fabiano Favretto

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ondas

Aqueles cabelos negros,
Cabelos negros e cacheados
Que lindos por inteiro,
Me deixam encantado.

Cabelos onde gostaria
De me perder noite e dia
Nas voltas que eu voltaria
E voltar porque queria.

Cabelos belos e perfumados,
Neles me encontraria feliz,
Pois estou assim tão admirado

Que não há palavra que me diz
O quanto deve ser deslumbrado
Tal momento que eu tanto quis!

Fabiano Favretto