quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Má (di)gestão

Poeta das massas,

Todos o adoravam,

Mas suas obras

Acabavam todas em pizza.


Fabiano Favretto

Perguntas

Caronte saberia

Se sua comida tivesse corante?

Miguel de cervantes

Comeria alimentos com concervantes?

Clarice Lispector

Tomaria xarope expectorante?


Fabiano Favretto

Cemitério de Mendoza

No cemitério  de Mendoza

Vi decadência

Atômica

Sísmica

Humana.


Pombas (não da paz),

E um túmulo com suculentas

Mostram vida

Onde hoje não têm.


Covas novas

Assassinatos velhos.

Prisão eterna e

Justiça não-feita.

Cuadro 33

Quem sabe 

Quem encontraremos?


Ao pé dos Andes

O silêncio dá tregua

Pelo vento nas velhas persianas

Pelo riso dos coveiros

Pelo bater de asas distantes.


Ouço passos,

Ecos nas galerias subterrâneas.

Quanta gente

E quanta história:

Apenas nós

E gente nenhuma

À brecha da luz diurna.


Fabiano Favretto







O tempo bateria

Hoje tirei o atraso

Quando ajustei o relógio


Fabiano Favretto

A parábola do joio e do trigo segundo Darwin

O reino dos seres vivos é semelhante

Às sementes semeadas por um agente qualquer.

Bem adaptados aqueles que se misturam

Pois passarão despercebidos.

Não há bom ou mau grão,

Há apenas aquele que sobrevive

E aprende a sobreviver.

O joio e o trigo, irmãos de solo,

Sobreviverão às suas interpéries

Mesmo que cortados

E separados na hora da colheita:

Um armazenado e outro lançado às chamas.

Ambos se adaptarão

Seja camuflando-se

Seja virando pão.


Fabiano Favretto

Ato concreto

Despedindo-se do emprego,

O pedreiro

Joga a última pá de cal no assunto.


Fabiano Favretto

Imagina se desse certo

Alguns textos

Só tem valor

Por ainda serem uma ideia


Fabiano Favretto

Cume

Quanto de pedra

Tem na Cordilheira os Andes?

Quanto de neve

Tem na vida antes da avalanche?


A cidade contraditória

Continua seguindo a sombra opressora

De milênios de ascensão.


Há deserto,

Há pedra,

Há vida.


Um centímetro por década

As montanhas se reinventam.


Década por década,

Vida por vida,

Elas não se importam.


A cidade contraditória

Estará um dia

No topo dos andes?


Fabiano Favretto



Deve

Deve ter

Dever-te

De te ver


Fabiano Favretto



Não consegui acompanhar

Meu maior medo era de morrer e não saber o que aconteceria,

Mas agora é de viver e não saber o que aconteceu.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Buracos

Entranhas estranhas
Convidadas esporadicamente
Numa viagem tripofóbica
Na crescente ausência do somente

Fabiano Favretto

Colateral

Estou tentando

Recuperar a essência

Da escrita?

Da angústia?

De quando eu

Escrevia por necessidade?

Tento me enganar

Ou me engano ao tentar?

Nada é o que já foi...

Entranhas diferentes

Covidadas pandemicamente

E tão cheias de mazelas...

Pobre eu escritor!


Fabiano Favretto

sexta-feira, 5 de julho de 2024

Poesia concreta que umas 200 pessoas já escreveram com certeza

1 parte de cimento

2 partes de areia

3 partes de brita

Água


Fabiao Favretto

Métrica é arquitetura hostil

Tão Pobre

Minha rima xula

Que nem meu pé cobre,

Nem rima com nada

E se rima só sofre.

Tão pífia de métrica

Que não cadencia,

Apenas anuncia

Essa ordem patética.

Rima Brazil

Com anil,

Me sinto senil, viu?

Pobre e esquecida,

Em algum banco de praça,

Enlouquecida

Sem sentido, nem graça.


Fabiano Favretto

 

Potrogeist

Eu vi como um sinal

Em meus piores pesadelos:

Cascos como navalhas,

Sangue e veneno.

Como um relâmpago

Aparece e logo some,

Como um trovão

Seu galope se promove.


À meia-noite invocado

Do inferno ele veio.

De crina em labaredas

E com os olhos vermelhos.

Seu corpo é de neblina

E sua forma de orvalho,

Seu rastro é uma chacina

E seu relincho mau presságio.


Na encruzilhada eu espero

Seu galope, qual locomotiva.

Ansioso exaspero

Quando ouço a sua vinda.

Cada vez mais quero e quero,

Que minha boca até saliva:

Haverá laço que enlace

Esta besta tão maligna?


Fumaça por todo lado,

Penso que dei oi à morte

Quando a corda correu

E vi minha falta de sorte:

Em meu pescoço enrolou

E depois não vi mais nada:

Minha cabeça rolou

Perdida na encruzilhada.


E agora da mesma matéria

Corro feroz e sem medo

Depois que de forma etérea

Vou vivendo meu pesadelo:

Domei o potrogeist

Que antes corria a esmo

Nos pampas infernais

É ele meu companheiro.


Fabiano Favretto



Penteado

A viola
Com cordas arrebentadas
Parece ter mais
Cabelo do que eu.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Impreciso

Como é que se escreve?

Não me lembro mais.

Da poesia não preciso

Impreciso.


Fabiano Favretto

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Sempre estará lá

A arte é o derradeiro recurso.

Fabiano Favretto

Arcano

O segredo

Dos dutos

De ar


Fabiano Favretto

Me poupe

Meu único amigo é o banco,

Foi agora que me dei conta.

Com ele tenho algum crédito

E dele receberei cartas todo mês.

A ele emprestarei dinheiro,

Afinal aos bons amigos nada se nega.

Farei visitas regularmente e metodicamente 

Sem assim ser repreendido.

E ao final de meus dias

Haverei de deixar o legado deste vínculo

Di vida

À meus filhos e netos.


Fabiano Favretto

EQV

No feriado
Tive uma experiência
De quase vida.

Fabiano Favretto

Pétalas

De lírios noturnos

À margaridas aurorais,

Vou descamando pétalas

Devagar, até demais.


Fabiano Favretto

terça-feira, 12 de março de 2024

RespirAr

Grandes túneis nasais,
Séptos antes nunca explorados
Desvios nunca desejados
E fontes dos meus ais,

Há décadas tão intacta
Incólume parede mucosa
Junto à carne esponjosa
Agora não mais me maltrata.

Causador de desvios dentários,
Tanto ar devo ter digerido
Sem nunca antes ter percebido
Que em respirar fui tão precário.

Décadas de paredes latentes
Me afastavam de odores constantes,
Não eram essas, coisas tão importantes
Antes de saber respirar facilmente.

Esculpido como uma complexa ideia,
Retiraram de mim material crítico:
Meu desvio se sépto, antes tão onírico
Hoje desvenda-se em mim uma não-apinéia.

Tendo reestabelecido as vias aéreas
Algo que antes, tanto inédito
Era secreto, mal, nasal sépto
Agora faz chegar mais ar às artérias!

Os pontos que ainda restam
Não se tratam de pontos finais:
Haverão de deixar-me sinais,
Esse desfavor ainda me prestam.

Agora, exorcizando resquícios,
Estou a limpar pelas vias - de fato
Todo restante do que antes era mato:
Respiro como um verdadeiro exercício.

Fabiano Favretto

segunda-feira, 11 de março de 2024

Ex-fumante

Há uma ironia na ausência
Que somente no vazio é traduzida:
Seja no jejum da existência
Ou da simples condição não existida.

Encontra-se no vácuo o sentido
Daquilo que esteve e não mais estará.
A fome, o prato nunca repetido
E a ânsia que viria e não virá.

Estava sendo enquanto alheio,
E seria-me mais, não estivesse ausente;
Não denota-me mais nada nesse meio:
A inexistência é o futuro do presente.

Fabiano Favretto

domingo, 10 de março de 2024

bicho

Tem um bicho me rondando,
Um bicho abelhudo:
Zumbindo em minha orelha,
Rápido passa voando.

Não dá tregua um minuto,
Que até me deu na telha
De sair o procurando
Mas sem fazer barulho.

Não sei se é abelha
Não sei se é marimbondo
Só sei que meu orgulho
Quer lhe dar um tombo

Fabiano Favretto 



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Correria se não estivesse parado

Eu sempre estava correndo para lá e para cá,

Então nunca conseguia escrever

Até descobrir

Que escrever parado é mais fácil.


Fabiano Favretto

Marreco eco

Enjaulado alado,

Contestado estado.

Contraponto ponto

Do marreco eco:

Passado, assado.


Fabiano Favretto

Metonímias

O autor pela obra,

A garrafa pela cerveja

O piso pelo concreto

O circo pela bagunça

A piada pelo fracasso.


Fabiano Favretto


Piada de mau gosto

Um crítico de culinária

Errou o restaurante e acabou

Na porta do banheiro público.

Em sua avaliação escreveu 

Que a entrada foi ruim,

E a saída uma bosta.


Fabiano Favretto

Acabou

A fonte

Arou

A fome

Arruinou

A fama

Acabou

A fila

Aumentou

Ao fim

Chegou


Fabiano Favretto


Corcova

Corcova:
Costas doendo,
Calombo,
Dor-me-dário.

Fabiano Favretto

A corda

Balançava

Em movimento de pêndulo

A corda

Com o homem pendurado.

Acorda!

Sai dessa rede, compadre,

Vai pegar sereno!


Fabiano Favretto


sábado, 24 de fevereiro de 2024

Zero à esquerda

Zero anula plural:

Para ser milionário,

Imagino ter zero chances.


Fabiano Favretto


Oca

Toca

Oca,

Mora:

Ora

Dentro,

Ora

Fora.


Troca

Moca,

Era

Ela,

Era

Louca.

Era

Aquela

Outra.


Oca

Oca,

Asco

Oco

Acaso

Eco

Aceso

Outro.


Fabiano Favretto

Humor ácido

Seu PH é zero,
Você não serve de base
Para nada.

Fabiano Favretto

Desperdício

Que desperdício de bigode seria:

Cortá-lo em vão eu iria,

Caso a influenza tivesse vindo

Depois do aparo da barba!


Não estaria sorrindo:

Estaria chorando a apara

Daquilo que preenchida

Hoje faz parte de minha cara!


Fabiano Favretto

Ideia de silêncio

Como corte de papel

E picada de mosquito entre os dedos,

Me incomodo tanto quanto tarde:

Da noite não durmo, amanheço.


E a carne entre os dentes pressiona,

Feito véu invisível nas beiradas.

Poderia o estampido em meu crânio ressoar

Se não fosse uma ideia de silêncio.


Fabiano Favretto