quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Beco

Do tilintar da chuva nas folhas,
Se ouve também o sapo no beco.
Paira no ar uma dúvida: Seria um eco
Ou seria na água o subir das bolhas?


Fabiano Favretto

Entre prateleiras

Estava morto.
Morto entre garrafas de cerveja
E caixas de papelão.
Sobre ele, guarda-sóis armados,
Verdes e armados,
Privando olhares mais curiosos.
E as pessoas seguiam suas vidas:
O preço dos legumes subiu!
Pague dois, leve três.
E no chão frio,
Imóvel o homem continuava.
Ouvi dizer que era fiscal,
O nome dele não sei.
E as pessoas continuaram
Com seus carrinhos
Cheios de produtos
Que para aquele homem
Não fazem mais sentido.

Fabiano Favretto

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

súplica

 A poesia é o único recurso

Antes das balas, depois da angústia:

Esvazia-se o tambor de palavras

Numa última oração de súplica.

Rima-se a dor de alguma maneira

Que faça o autor enganar-se

Propositalmente.

E nem é um recurso tão bom.


Fabiano Favretto

O mundo não se vale

O mundo não vale o peso do mundo!

Há tanto sangue derramado

Tanta luta vã - de tanto lado errado

Que do poço não vejo chegar o fundo.


Minhas mãos estão ressecadas

Como galhos de árvores no inverno.

Meu peito tem um barulho eterno

De guerras diariamente travadas.


O mundo não vale o mundo

E nem sei porque mais me preocupo.

A mim mesmo, sim, a mim culpo

Mas não tanto lá no fundo.


O mundo não se vale, meu Deus!

Porque eu tanto nisso me atenho?

Queria tando do mundo ter desdenho

Ao passo que assim mato sonhos meus.

Fabiano Favretto


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Deus vult!

A ignorância de certas figuras
Não mais me surpreende!
Há quem se diz filósofo e defende
O geocentrismo, uma loucura!

E os terraplanistas então?
Acenderão piras em praça pública,
E queimarão rivais de forma cínica
Em uma nova inquisição.

Marcharão defendendo a morte:
Deus vult! Uma nova cruzada.
Colocarão a justiça à própria sorte,

Usando de preconceitos e má fé enraizada.
Farão das falácias do líder um aporte:
Darão fim ao que resta desta terra machucada.

Fabiano Favretto

sábado, 1 de agosto de 2020

Embalo

Tomei conhaque, e o que mais me falta?
Eu estou entediado, e esse tédio me corrói,
Assim como esse tempo ocioso que me mata!
A falta do que fazer (o que eu quero) me dói,

Mesmo estando em frente à interfaces digitais.
É um complexo, constante e eterno nó,
Que ultrapassa as visões superficiais
Resultando somente em mim o pó.

Sim, o ócio me mata,
Assim como essa tarde de sábado,
Que sordidamente se arrasta.

Quero minha vida novamente,
Quero da vida o embalo,
Movimento, alto e constante.

Fabiano Favretto