quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Chaves

Chaves abrem portas,
Mas também as trancam.

Fabiano Favretto

Não me resta mais que esperar

Não me resta mais que esperar.
Não espero mais do que me resta.
Os dias se acumulam
E as semanas não passam,
Qual uma locomotiva
Que não se desenvolve
Fora dos trilhos.
O labor cresce
E o vento não mais toca
A copa das cerejeiras.
Pareço distante,
Mas na verdade há tempos
Que deixei de ser presente.
Minha inconsistência
Junta o que antes era rocha,
E remói em meus pés.
O mundo, esfera apática,
Não desiste de sua rota
Para que eu possa esperar ainda
O que me resta das horas.

Fabiano Favretto

Maníaco por autodestruição

O maníaco por autodestruição chega na banca de jornal e pede um cigarro avulso. A dona da banca fala:
- Sabia que a cada cigarro você perde 11 minutos de vida?
- Quero 3 carteiras!

Fabiano Favretto

Ainda sigo

A poesia volta a surgir
Entre escombros e fuligem.
Matei dois, morri três:
É preciso matar-se três vezes
Para perceber que se está vivendo.
Entre o canteiro de obras e o abismo
Está o menino que chora;
Este tem toda a percepção do mundo
E a alma pesada por seus dias.
Nada temo agora:
Anoiteceu pela janela do ônibus
E a realidade não embarcou.
Ainda sigo.

Fabiano Favretto

Conhaque

Quero um dia frio
E uma noite quente,
Pois não sou valente:
Sou deveras vazio.

Quero um conhaque
E um motivo para beber,
Pois não faço valer
A realidade: um baque.

Quero uma tarde
Que não acabe cedo,
E quero alarde,

Para mostrar que bebo.
O conhaque arde,
Assim me percebo.

Fabiano Favretto

Saudade

Saudade da infância
Onde tudo era brincadeira,
Não possuía essa ânsia
De querer perder a estribeira!
Fabiano Favretto

Vultos

Estou sozinho no mundo
Assim como quando nasci,
E o poço pode ir mais fundo:
Disso não me esqueci.

As faltas se acumulam
E os dias são tão mais curtos
Como as chuvas que vão e voltam
Estou a ver vultos e vultos.

Qual domingo que me mata,
Numa cidade que acha que não cresceu,
A saudade não é mais tão pacata

Devido a um amor que nasceu
Para tirar-me o ódio, coisa sensata,
E a falta dela em mim não morreu.
Fabiano Favretto