segunda-feira, 5 de julho de 2021

Rigor Mortis III

 I - Tremores


Com a viola em cacos,

Buscava encontrar sentido, 

De onde havia se metido.

Já sentia um grande asco


De tudo o que havia passado,

Dos monstros, da recente realidade:

Parecia a mais sórdida verdade

De que à loucura estava fadado.


Suas mãos tremiam novamente,

Sua cabeça parecia que ia explodir.

De repente, de joelhos veio a cair

Com as imagens que viu em sua mente.


Eram imagens complexas e densas,

Que estavam além de qualquer compreensão,

E que jamais poderiam até então

Se encaixar em qualquer mundana crença.


Sua visão foi ficando embaçada,

E de bruços foi de encontro ao chão.

Tudo parecia agora uma grande ilusão:

Parecia que sua vida estava acabada.


- Não! Não haverá de acabar aqui

A tua história mal começou!

E o seu trato ainda não pagou,

Então levante e saia agora daqui!


II - Claridade


Do escuro ao claro,

A mente do violeiro retornou.

De joelhos esse tempo ficou,

Apenas havia alucinado.


Possuía uma fraca noção

De que uma voz havia ouvido,

E que isso deu sentido

Para a quebra da alucinação.


Olhou ao redor, mas nada via,

Buscava na relva, no alto,

À distância, no mato,

Mas lá nada havia.


Chamou por alguém,

Nenhuma resposta obteve.

Sentiu a brisa fria de leve

E um assovio mais além.


Seguiu o som que agora aumentava,

Enquanto o vento ainda mais frio,

Foi lhe dando um arrepio

Enquanto se aproximava


De uma árvore grandiosa.

Aparentava ser mais velha

Que tudo ao redor dela,

De uma maneira misteriosa


III - a árvore


Observava com bastante atenção:

A árvore parecia um monumento,

E que com a brisa leve do vento

Assoviava como em uma canção.


De repente os galhos se entortaram,

E em sua grossa casca algo apareceu,

Estupefato o violeiro percebeu

Que os veios em um rosto se transformaram


A paisagem ao redor também se modificou:

Os galhos se tornaram como braços,

E nas raízes apareceram velas e pedaços

De ossos de alguém que um dia ali passou.


Pensou em fugir daquele lugar,

Mas aquela cena o fascinava.

Não era nada do que esperava,

Porém decidiu não recuar.


Decidiu então gritar,

"Se está vivo, dê uma resposta!"

Fez nesse pedido uma aposta

Pensando que não iria adiantar.


Porém os olhos se abriram,

E tudo ao redor ficou escuro.

Não se sentiu mais tão seguro

Depois que as velas se acenderam.


IV - A coisa


"Fugitivo de Sheol, o que você quer?"

Indagou uma voz ofegante,

Que da árvore em tom sufocante

Ao violeiro pediu parecer.


Diante daquele questionamento,

O homem corrigiu sua postura,

Pois já naquela altura

Não havia qualquer alento


Que o desse segurança.

Queria ao menos parecer forte,

Já havia evitado a morte

Acreditava não haver esperança.


Com um ímpeto de coragem

Ele perguntou à arvore imponente:

"Quem é você? Diga rapidamente!

Pois logo quero seguir viagem"


"Sou rejeitado pela terra e vermes,

Não posso ir ao céu, nem ao inferno.

Isto que vês é meu destino eterno

Meu corpo tornou-se cerne"


Fui tão mau que não posso descansar,

A menos que algo bom eu possa fazer.

Meu corpo seco poderá se desfazer.

Eu te ajudo se você me ajudar"


V - A proposta


Desconfiado o violeiro estava

Pela proposta inquietante,

Mas ainda que relutante,

Percebia que nada mais lhe restava.


"Como podes me ajudar,

Se és uma árvore somente?

Como saberei se você não mente

Para depois querer me matar?"


Respondeu a criatura de modo eloquente:

"Estou aqui antes de muitas coisas,

Antes mesmo de tu e de tuas escolhas.

Sei que poderá fazer diferente!


SimA viola que você leva consigo

Está tão quebrada quanto seu fado,

Não precisará mais carregar esse fardo

Se entenderes que não sou seu inimigo.


Quando jovem fui o melhor artesão

De instrumentos do Novo Mundo,

Porém me sentia moribundo

Queria tudo, era muita ambição.


Fiz um pacto com aquele que conhece,

E acabei assim amaldiçoado.

Consertarei tua viola se for de teu agrado

Mas para isso quero que me vingue."


VI - O conserto


Refletindo de maneira preocupada,

O violeiro sentiu-se incomodado:

Deveria acreditar no diabo

Ou naquela criatura enraizada?


Decidiu com relutância

Dar ouvidos aquele medonho ser.

Olhou para ela com desprazer

Novamente ele sentia ânsia


"Te ajudarei. Conserte minha viola!

Como você fará o conserto?

Não sei se é o modo certo,

Mas faça-o que eu quero ir embora!"


A criatura começou a explicar:

"Em meio ao caule que me sustenta,

Uma abertura poderá ser feita.

Ali a sua viola você irá depositar.


Para começar, de teu sangue preciso

Que se misture à seiva que em mim corre,

Assim o que é quebrado morre

Para dar lugar aquilo que será vivo!"


Após a mistura profana encerrada

Uma abertura sombria ali surgiu.

O violeiro a viola introduziu

Achando ter feito a escolha errada.


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