I - Tremores
Com a viola em cacos,
Buscava encontrar sentido,
De onde havia se metido.
Já sentia um grande asco
De tudo o que havia passado,
Dos monstros, da recente realidade:
Parecia a mais sórdida verdade
De que à loucura estava fadado.
Suas mãos tremiam novamente,
Sua cabeça parecia que ia explodir.
De repente, de joelhos veio a cair
Com as imagens que viu em sua mente.
Eram imagens complexas e densas,
Que estavam além de qualquer compreensão,
E que jamais poderiam até então
Se encaixar em qualquer mundana crença.
Sua visão foi ficando embaçada,
E de bruços foi de encontro ao chão.
Tudo parecia agora uma grande ilusão:
Parecia que sua vida estava acabada.
- Não! Não haverá de acabar aqui
A tua história mal começou!
E o seu trato ainda não pagou,
Então levante e saia agora daqui!
II - Claridade
Do escuro ao claro,
A mente do violeiro retornou.
De joelhos esse tempo ficou,
Apenas havia alucinado.
Possuía uma fraca noção
De que uma voz havia ouvido,
E que isso deu sentido
Para a quebra da alucinação.
Olhou ao redor, mas nada via,
Buscava na relva, no alto,
À distância, no mato,
Mas lá nada havia.
Chamou por alguém,
Nenhuma resposta obteve.
Sentiu a brisa fria de leve
E um assovio mais além.
Seguiu o som que agora aumentava,
Enquanto o vento ainda mais frio,
Foi lhe dando um arrepio
Enquanto se aproximava
De uma árvore grandiosa.
Aparentava ser mais velha
Que tudo ao redor dela,
De uma maneira misteriosa
III - a árvore
Observava com bastante atenção:
A árvore parecia um monumento,
E que com a brisa leve do vento
Assoviava como em uma canção.
De repente os galhos se entortaram,
E em sua grossa casca algo apareceu,
Estupefato o violeiro percebeu
Que os veios em um rosto se transformaram
A paisagem ao redor também se modificou:
Os galhos se tornaram como braços,
E nas raízes apareceram velas e pedaços
De ossos de alguém que um dia ali passou.
Pensou em fugir daquele lugar,
Mas aquela cena o fascinava.
Não era nada do que esperava,
Porém decidiu não recuar.
Decidiu então gritar,
"Se está vivo, dê uma resposta!"
Fez nesse pedido uma aposta
Pensando que não iria adiantar.
Porém os olhos se abriram,
E tudo ao redor ficou escuro.
Não se sentiu mais tão seguro
Depois que as velas se acenderam.
IV - A coisa
"Fugitivo de Sheol, o que você quer?"
Indagou uma voz ofegante,
Que da árvore em tom sufocante
Ao violeiro pediu parecer.
Diante daquele questionamento,
O homem corrigiu sua postura,
Pois já naquela altura
Não havia qualquer alento
Que o desse segurança.
Queria ao menos parecer forte,
Já havia evitado a morte
Acreditava não haver esperança.
Com um ímpeto de coragem
Ele perguntou à arvore imponente:
"Quem é você? Diga rapidamente!
Pois logo quero seguir viagem"
"Sou rejeitado pela terra e vermes,
Não posso ir ao céu, nem ao inferno.
Isto que vês é meu destino eterno
Meu corpo tornou-se cerne"
Fui tão mau que não posso descansar,
A menos que algo bom eu possa fazer.
Meu corpo seco poderá se desfazer.
Eu te ajudo se você me ajudar"
V - A proposta
Desconfiado o violeiro estava
Pela proposta inquietante,
Mas ainda que relutante,
Percebia que nada mais lhe restava.
"Como podes me ajudar,
Se és uma árvore somente?
Como saberei se você não mente
Para depois querer me matar?"
Respondeu a criatura de modo eloquente:
"Estou aqui antes de muitas coisas,
Antes mesmo de tu e de tuas escolhas.
Sei que poderá fazer diferente!
SimA viola que você leva consigo
Está tão quebrada quanto seu fado,
Não precisará mais carregar esse fardo
Se entenderes que não sou seu inimigo.
Quando jovem fui o melhor artesão
De instrumentos do Novo Mundo,
Porém me sentia moribundo
Queria tudo, era muita ambição.
Fiz um pacto com aquele que conhece,
E acabei assim amaldiçoado.
Consertarei tua viola se for de teu agrado
Mas para isso quero que me vingue."
VI - O conserto
Refletindo de maneira preocupada,
O violeiro sentiu-se incomodado:
Deveria acreditar no diabo
Ou naquela criatura enraizada?
Decidiu com relutância
Dar ouvidos aquele medonho ser.
Olhou para ela com desprazer
Novamente ele sentia ânsia
"Te ajudarei. Conserte minha viola!
Como você fará o conserto?
Não sei se é o modo certo,
Mas faça-o que eu quero ir embora!"
A criatura começou a explicar:
"Em meio ao caule que me sustenta,
Uma abertura poderá ser feita.
Ali a sua viola você irá depositar.
Para começar, de teu sangue preciso
Que se misture à seiva que em mim corre,
Assim o que é quebrado morre
Para dar lugar aquilo que será vivo!"
Após a mistura profana encerrada
Uma abertura sombria ali surgiu.
O violeiro a viola introduziu
Achando ter feito a escolha errada.
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