Um olhar diferente à poesia de Carlos Drummond de Andrade chamada "
Morte do leiteiro".
Há pouca segurança no país,
É preciso proteger-se.
Há muita violência no país,
É preciso proteger-se.
Há no país uma legenda
De que a justiça não funciona.
Então o senhor que é trabalhador,
De madrugada dorme em sono leve,
Com medo de que sua casa
Seja atacada por gente ruim.
Sua botina e uniforme,
E sua marmita sobre a mesa
Indicam que alguém terá um dia cheio.
Trabalhando no subúrbio
Para trazer o pão de cada dia
E um pouco de recursos
À sua família,
Para que ela possa
Viver com dignidade.
Na mão os calos
Provenientes de trabalho árduo
Mas não menos digno.
Casa na periferia,
Pedreiro com
34 anos de idade.
Pai de família,
Vive preocupado
Em cada construção que trabalha.
Pensa em sua casa
Na segurança
E integridade do lar.
E como se a porta dos fundos
Fosse entrada para má gente,
Que pensa em furtar o bem alheio,
Conseguido com suor de muito tempo,
Arma-se o pilar da casa,
E esconde-se isto de todos.
Não deve-se fazer alarde
Nem barulho
Pois barulho nada resolve.
Nosso trabalhador tão preocupado,
Em cochilo sensível e leve,
Logo acorda.
É certo que barulho na madrugada
Assusta qualquer homem preocupado:
Um vazo de flor que cai,
Um cachorrinho que ladra
Ou um gato miserável.
Há sempre som que tira o sono
De nosso trabalhador.
Mas este barulho o deixa em pânico,
(ladrões adentram no bairro)
Só pensa em sua família.
O revólver que escondera na gaveta
É sacado com velocidade.
Justiça? Se faz com as mãos.
Os tiros desferidos
Matam homem inocente.
Pobre homem,
É tarde para saber
De onde era o coitado:
Os tiros foram dados!
Com o susto,
Corre para o meio da rua
E aos prantos berra:
"-Matei o pobre leiteiro!"
Bala que mata bandido
Pode prover injustiça
E sangue nas mãos de um trabalhador.
Atônito, o pedreiro não pensa em nada,
Nem lembra de chamar o médico.
Ao menos o lar está a salvo.
A noite se arrasta,
E a manhã custa aparecer.
Será um dia penoso
Para o nosso pedreiro
Que somente queria segurança.
Dos olhos petrificados
Do pedreiro preocupado
Escorre uma coisa cristalina,
Que é lágrima, suor.. não sei.
Entre os calos dos dedos
E o cano da arma
Ainda engatilhada,
Tremem as mãos do trabalhador.
Fundem-se no peito dois sentimentos
Formando um terceiro
Ao qual chamamos de remorso.
Fabiano Favretto